Pesquisa sem frescura

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

o metro, você e nós.

I. NEW MILLENNIUM (OUT WITH THE OLD USELESS)

Adrian Forty¹ explica como o Underground (metrô de Londres) teve a capacidade de se unificar² e transmitir a idéia de eficiência graças a um pioneiro trabalho de identidade corporativa, que ia da reformulação de estações (para as integrações e atingir o novo padrão de qualidade) ao desenvolvimento da empresa e a marca Underground. Nesse meio está o famoso mapa-diagrama³ que transmitiria a idéia de rede de transporte como até antes Londres não conhecia - e também dissuadiria todos de que um ponto no mapa era realmente uma conexão simples (se você faz integração entre o trem e o metrô na estação da Luz, em São Paulo, entendeu o que eu quis dizer). Um exemplo desses é capaz de alavancar negócios astronômicos no campo da identidade corporativa - que hoje caminha para a infusão das marcas.

II. IDIOCRACY (SO, PLEASE, CLOSE MY EYES: I DON'T WANT TO SEE)

Mas eu lembrei disso por estar no metrô de São Paulo todo dia.
Juro que não vim falar mal da programação visual deles. Embora eu não saiba exatamente definir se é bem ou mal-feita (depende muito do exemplo pego), mas vou admitir o primeiro caso como verdadeiro - é bem-feita. Assim dito esclareço: vim falar do tipo de assunto que ela tem de se ocupar.

Se você usa o metrô em São Paulo deve ter percebido as campanhas a respeito de como se espera que os usuários se comportem. Não se trata apenas de informações sobre coisas pouco intuitivas - como manter-se ao lado direito nas escadas para facilitar a circulação - mas, simplesmente, de bom senso.

O formato adotado é curioso: parecem cartas de um jogo. Super-trunfos que você pode acumular e fazer combinações - uma série de pedaços de informação, reorganizáveis e cambiáveis. Dirão a você: permita o desembarque antes de embarcar, carregue bolsas e mochilas na mão para não atrapalhar a circulação, respeite o uso dos assentos preferências. Dirão que você, assim, contribuirá para um metrô de "milhões de usários, milhões de gestos".

Será que em São Paulo alguém consegue vislumbrar a propagação de um onda?
Não é esta a população o grande exemplo de entropia4 humana?
Milhões de gestos seriam um horizonte possível aqui?

III. RUSSIA ON ICE (NOTHING MELTS IN THIS COLD)

Zigmut Baumann5 aponta a individualidade-fatalidade como uma característica de nosso tempo. Não se pode é individual por opção, mas pela sistematização. Segundo ele, mencionando Tocqueville, "o indivíduo é o pior inimigo do cidadão. (...) O 'cidadão' é uma pessoa que tende a buscar seu próprio bem-estar através do bem-estar da cidade - enquanto o indivíduo tende a ser morno, cético ou prudente em relação à 'causa comum', ao 'bem comum', à 'boa sociedade' ou à 'sociedade justa'".

Parece que nada mais antropo-entrópico que isso: uma sociedade incapaz de se reorganizar como conjunto, como humanidade, sujeita a migalhas de um esforço em forma de poster na porta do metrô, por que a ela tanto faz: já não existe mais. Agora é um gesto que precisa se repetir aos milhões, em vez de milhões de homens compondo um único gesto.

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1. FORTY, Adrian. Objetos de Desejo, 1986
2. Antes, o metrô era composto por uma série de companhias privadas concorrentes.
3. Esse não deve ser o original  ;)
4. Conceito físico - mas muito aplicado em filosofia - onde um sistema sob ação de forças externas perde a capacidade de se reorganizar (quanto maior a entropia, menor a chance de reorganização). Ver aqui.
5. BAUMANN, Zigmut. Modernidade Líquida, 2000.

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As seções são intituladas por nomes de músicas co-inspiradoras:
I. new millennium, por dream theater, no album falling into infinity.
II. idiocracy, por pain of salvation, no album entropia.
III. russia on ice, por porcupine tree no album lightbulb sun.

4 comentários:

Victor Dariano disse...

segunda tentativa de escrever o comentario:

Tem um cara na minha sala de TFG que está estudando a programação visual do metro de SP. A pré-banca dele me surpreendeu em mostrar como tem coisa aleatória. Sempre achei bem resolvido mas nunca parei pra analisar. Achava também que tudo ali presente era previsto no projeto do Cauduro, mas muita coisa é diferente, até tipografia muda, isso me impressionou, por que percebi que nunca vi com atenção.

Arthur Francisco disse...

Nossa, tem uns caras muito grossos e desatentos. Ontem mesmo, na estação Sumaré, vi uma adição às placas da plataforma (que indicam o destino) que continham as "integrações" na linha. Merda 1) só constava a conexão na Consolação com a linha 4 amarela, deixando fora Ana Rosa e Paraíso; 2) O símboloda "via quatro" e o ""4 em um círculo amarelo estavam enormes, muito colados à tipografia vizinha... enfim, esse é um caso que considero mal-feito.

Anônimo disse...

sobre a lambança que é a identidade visual do metrô, há um artigo interessante: http://marioav.blogspot.com/2007/09/as-cores-mutantes-do-metr-de-sp.html

nossa "cultura do puxadinho" e da gambiarra reflete-se bem na trajetória da PV do metrô: logo no começo trocaram a Univers pela Helvetica mas mantiveram a primeira em toda a Linha Azul. Agora inventaram de usar uma Helvetica Rounded em algumas estações. Na Linha 4, a Helvetica convive até mesmo com a Frutiger (ou Myriad, não sei). Isso quando não aparece alguma Arial perdida...

A inserção das marcas do consórcio Via4 nas conexões dos mapas chega a ser criminosa.

Com relação ao tema da postagem em si: muito legal! O Metrô realmente é esperto: antes mesmo de acontecer qualquer tipo de manifestação popular contra o péssimo serviço, ele já diz que a culpa é do "cidadão".

Arthur Francisco disse...

Gostei do artigo do link. Se fosse complementado com fontes e entrevistas daria um bom artigo.