Pesquisa sem frescura

domingo, 1 de agosto de 2010

Construtoras em São Paulo: empresas e produtos.

Andando pelos aglomerados de construções que se espalham pelos bairros da cidade de São Paulo, seja na periferia em expansão, seja na reconstrução de bairros consolidados, você deve ter notado que as grandes construtoras não conseguem desenvolver produtos distinguíveis entre si. É como se tivéssemos cinco empresas diferentes, mas todas oferecendo exatamente o mesmo produto. O que diferencia um Cyrela Novo Jardim de um Even Concept Anália Franco? Ou de um Tecnisa Choice?

Pense num exemplo banal: canetas.
Uma BIC, a coisa mais simples possível, é difundida por sua praticidade e custo. Uma Mont-Blanc preserva em si um estilo clássico e a funcionalidade tipo "tinteira", para aqueles que acreditam em sua simbologia ou que têm certo apreço caligráfico. As Uni-Pin da Mitsubish são as favoritas dos desenhistas que apreciam a fineza do traço. Estenda isso para outras áreas do desenho indústrial e você pega o ponto: empresas diferentes oferecem produtos diferentes porque a concorrência direta é um complicador de negócios. A diversificação não só se afirma por ofertas a públicos distintos, mas é estratégia de posicionamento em mercado e viabilização das empresas.

Agora vá aos sites dessas construtoras pra ter uma idéia da homogeneidade de seus produtos: plantas labirínticas sobre estruturas desajeitadas, materiais construtivos "padrão" - sem qualquer apuro em sua aplicação -, paredes desaprumadas, implantação de fortaleza e [a cereja:] lazer completo. Eventualmente, o próximo empreendimento tem um lazer mais completo (alguém explique). Até a apresentação de seus produtos é idêntica: renderings ilusórios mostram uma população branca e feliz nos espaços que estão consumindo.

Vamos, nesse momento, acordar o seguinte: não há, tampouco, diferenciação estética, porque tal exigiria modificação radical das formas - entendendo a estética como um conjunto ordenado e elaborado de razões legitimamente humanas e artificiais, não a aplicação cosmética de revestimentos.

Mantendo as diferenças nesse plano [cosmético], as construtoras têm desenvolvido uma urbe o mais homogênea possível, e, por conseguinte, a mais segregadora. Conservando tipos populacionais iguais por onde estabelecem seus empreendimentos, jogam em suas franjas (senão ainda mais longe) as populações das quais as primeiras dependem. Se as grandes construtoras paulistas desenvolvessem produtos especializados, ou ao menos diferenciados entre si, seria possível que atingissem as necessidades de um publico maior - para não causar aqui grandes medos políticos, um maior mercado consumidor de habitação.

Certamente, há construtoras com projetos diferenciados, como a Idea Zarvos, mas ainda é uma participação muito pequena diante do montante produzido. Mas, se essas pequenas iniciativas sucedem em suas propostas, comprova-se que as grandes têm, de fato, deixado de lado importantes parcelas da população, que não se enquadra - por vontade ou por força - em seu modelo paradigmático. Empresas com visão curta tendem morrer mais cedo.

[Isso me inspira a uma história que gostaria de escrever e desenhar...]

6 comentários:

Unknown disse...

Arthur,
Parabéns pelo post; ele me fez refletir bastante sobre o assunto.
Essa homogeneidade realmente é de se assustar. O ímpeto com que esta falsa sensação de nobreza implícita pelo pseudo-neoclássico, se apoderou do mercado foi alarmante.
Na faculdade esse processo tem sido classificado como particular de nosso país, e as emergentes classes médias almejam esse tipo de empreendimento vorazmente. Será possível combater o mercado?
A Zarvos tem tentado, com empreendimentos sendo objeto de matérias em revistas do segmento. Estes projetos se utilizam de conceitos diferenciados e são concebidos por arquitetos não tão facilmente subjugados ao mercado.
Porém a questão da marginalização continua já que estes empreendimentos da Zarvos tem como localização bairros abastados da Zona Oeste.
Creio que esta marginalização é intrínseca a nossa sociedade, já que não obstante o quão difícil seja, uns poucos bravos logram desafiar o mercado com destreza. Já desafiar as fundamentações ideológicas de nossa sociedade, é uma tarefa homérica.
As escravas domésticas foram substituídas por empregadas domesticas de uniformes e chapeuzinhos, enclausuradas em seus cubículos, queiramos ou não, mesmo que nos envergonhemos, ou mais tristemente, pouco notemos...

Arthur Francisco disse...

Nem fala dessa palhaçada de empregadas domésticas ridicularizadas que isso me leva pro lado político que esse post insistentemente se esquivou }:(

Victor Dariano disse...

O pior de tudo é que além de reproduzir formas iguais, o ritmo alucinante das obras e escolhas de materiais ruins fazem com que o produto (poto dessa forma) seja de péssima qualidade, e vemos isso não apenas nos empreendimentos de baixo padrão.
Se pelo menos a qualidade fosse boa...

Arthur Francisco disse...

A qualidade dessas construções é um problema muito sério. Por exemplo, nas obras que trabalhei nos últimos meses, muitas paredes estavam fora de prumo, vigas torcidas e nós estruturais desalinhados: coisa grosseira, que gera mais custo aos compradores para consertar (que deviam, na verdade, protestar no procom ou coisa do tipo).

Victor Dariano disse...

A minha namorada vai mudar para um desses predios "ctrl+c, ctrl+v" da Contrutora X entregue no começo do ano. A familia dela ficou surpresa com os defeitos em tudo, inclusive infiltração no apartamento recem-entregue. Eu já imaginava algo do tipo, fui com eles na festa de inauguração do prédio. Nela dei risada de mta coisa pq é marketing puro... Mostrando a qualidade excelente de suas construcoes e bla bla bla...quando fui ao banheiro, no terreo mesmo, nao havia nem agua...

Anônimo disse...

Engraçado que a Idea/Zarvos é, de todas as citadas, a mais elitista e, sem dúvida, a mais segregadora. A questão formal é meramente comercial. Muito mais no sentido de prazos e cronogramas do que com segregação social propriamente. As construtoras de hoje produzem muito para classe C e D. O programa minha casa minha vida não deve ser creditado somente a Lula e Dilma, afinal as construtoras também enriqueceram muito neste processo.
A questão é que, diferentemente do que pensa o autor, pouco se dá valor às questões estéticas. Ou melhor, destina-se apenas o valor que se faz necessário neste mercado. Não há um pensamento maquiavelico ou planejado para tal. É claro que as soluções são homogeinizadas: a produção de prédios, há muito, tornou-se uma atividade industrial e só se viabilizam dessa maneira.